Testemunho de uma cuidadora acompanhada pelo NeuroSer:
” Considero-me cuidadora, porque tenho de ajudar o meu marido, a identificar o que ele quer, a manter as capacidades que ainda tem e no campo do trabalho ajudar naquilo que ele necessita mesmo, que é a comunicação e a escrita. A única coisa que tenho mesmo de ajudar é nas dificuldades de comunicação, fora isso o nosso dia é fantástico.
Eu sinto que sou um complemento, há coisas que ele não consegue exprimir-se, há hábitos que mantemos, não como antigamente é claro mas eu acho que o compreendo. Desde que ele está doente, sou eu o apoio dele. Já nos ajudávamos muito um ao outro, sempre fomos um grande suporte para ambos, agora eu tenho mais essa responsabilidade. Basta olhar para os olhos deles para, muitas vezes, perceber o que ele quer, fazemos muito uso da expressão facial para nos compreendermos, algo que fomos alimentando desde sempre na nossa relação.
Eu prefiro sempre pensar positivo, sei que o meu marido sofre com a doença, até porque é uma pessoa extremamente inteligente, muito dinâmica e proactiva, e agora sente-se muito limitado. Eu sinto-me triste por não conseguir ajudá-lo em tudo o que ele sente falta e precisa, mas prefiro que ele não sofra fisicamente, e que o dia-a-dia seja sereno e positivo para ele poder encarar as suas dificuldades com outro ânimo.
Neste momento o principal desafio é manter a qualidade de vida e diminuir a frustração que o meu marido sente. É muito complicado em situação ainda laboral, em que, ao nível empresarial, não existe conhecimento sobre a situação dele e eu tenho de estar sempre ao lado nestes contextos. Ele faz um dia-a-dia perfeitamente normal, claro que mais tranquila do que antigamente, mas também chega a uma altura da vida em que todos nós devemos abrandar e aproveitar o dia de outra forma. O mais gritante é mesmo o trabalho.
Outra coisa que mudou foi o facto de eu evitar deixá-lo sozinho muitas vezes, pois ele pode precisar de alguma coisa e eu não estou por perto. Também tenho a sorte de já não estar a trabalhar o que me permite ter outra disponibilidade para mim e para ele e mantenho a minha vida social tanto quanto possível atualmente, apesar de sempre termos vivido um para o outro.
O que sinto mais saudade é da comunicação dele, das histórias que contava, de ouvir a sua opinião, do seu espirito critico e de análise sobre as situações do dia-a-dia e da sociedade. Não faço muitas perspetivas no futuro, o meu principal objetivo é manter a qualidade de vida de ambos, e isso basta. Já vivemos muito, viajamos muito, tivemos uma vida muito intensa e por isso queremos viver de forma mais leve a partir de agora. Os caminhos não são feitos só de rosas, também temos os espinhos, e nós temos de ver a beleza da roseira.
Nestes casos como o nosso, penso que o mais importante é mantermos a calma no contacto com a pessoa, que consigamos perceber o que se passa na mente deles, quase que estar dentro deles, para não sentirem frustração e manterem o seu contacto com o exterior.”
Dª RM, NeuroSer 2021